Várias
são as pessoas que criaram uma imagem negativa das artes marciais,
dizendo que elas servem acima de tudo para a auto-defesa. A nossa equipa
foi até ao Complexo Emirais, no Nova Vida, em Luanda, conhecer uma das
“artérias” da Roger Gracie Academy, comandada em Angola por Hélio
Pereira, um jovem angolano apaixonado pelo poder nas artes marciais e
entender também quais são os propósitos do jiu-jitsu.

MENTE E CORPO
Foi um sensei
de óculos graduados, quimono vestido e muita simpatia que nos recebeu a
chegada no Complexo Emirais. O cenário não podia ser melhor, vários
alunos preparavam-se para a aula, vestindo os seus quimonos brancos ou
azuis para dali a quinze minutos, mostrarem a sua genica no tatame.
Hélio
Pereira também já estava equipado, usando um quimono branco e a sua
faixa preta. O sensei afirmou que sempre gostou de jiu-jitsu e que tenta
buscar nesta arte a sua parte invisível, a parte espiritual.
“A
filosofia do jiu-jitsu é a mesma que de qualquer arte marcial. Todas
elas foram desenvolvidas a partir de técnicas de terapia, transformação
do ser humano, ensinando-os a aniquilar o ego por completo e chegar ao
ponto de observar as coisas simples da vida, de uma maneira mais
profunda”, explicou-nos o sensei.
ARTE MILENAR
As artes marciais são um método alquímico e uma das suas grandes filosofias é ajudar o ser humano a ser o mais natural possível.
O
jiu-jitsu, também conhecido pelas grafias jujutsu ou jiu-jitsu (em
japonês jū significa “suavidade”, “brandura”, e jutsu signfica “arte”,
“técnica”) era uma arte marcial japonesa que utilizava alavancas e
pressões para derrubar, dominar e submeter o oponente, tradicionalmente
sem usar golpes traumáticos, que não eram muito eficazes no contexto em
que a luta foi desenvolvida, porque os samurais (bushi) usavam
armaduras.
Basicamente, no jiu-jitsu usa-se a força (própria e,
quando possível, do próprio adversário) em alavancas, o que possibilita
que um lutador, mesmo sendo menor que o oponente, consiga vencer. No
chão, com as técnicas de estrangulamento e pressão sobre articulações, é
possível submeter o adversário fazendo-o desistir da luta
(competitivamente), ou (em luta real) fazendo-o desmaiar ou
quebrando-lhe uma articulação.
Segundo Hélio Pereira, existe uma
diferença entre o “jujutsu” japonês e o “jiu-jitsu” brasileiro: “Os
japoneses aplicaram as técnicas usando a força e os brasileiros
aperfeiçoaram a técnica, e é este o jiu-jitsu que nós ensinamos aqui,
pois somos “descendentes” da família Gracie. Eles foram uns dos maiores
percursores desta arte no mundo, e até hoje formam muitos campeões”.
AS FAIXAS
Ao
contrário das outras artes, no jiu-jitsu os atletas não fazem uso de
katas (executar técnicas ou coreografias no vazio, avaliadas pela
perfeição dos movimentos). Existem várias faixas ou cinturões no
jiu-jitsu: para os alunos com menos de 16 anos, existem as faixas
branca, amarela, laranja e verde. Já para os maiores de 16 anos existem
as faixas branca (permanência mínima de um ano), azul (varia com o
desempenho do atleta, normalmente 1 ano e meio, a 2 anos), roxa (varia
com o desempenho do atleta, normalmente 2 anos), castanha (ou marrom
como é chamada, normalmente 1 ano e meio), preta, coral (vermelho e
preto - mestre) e vermelha (Grande Mestre).
Dos 30 alunos academia do
Nova Vida, 5 são faixa azul, 2 roxa, 1 marrom, e os restantes têm faixa
branca, e treinam para avançar. O critério para mudança de faixa é
baseado na freqüência e na técnica do atleta. “Se um aluno treinar 3
vezes por semana, levará mais ou menos 6 meses a 1 ano, para mudar de
faixa”, disse-
-nos o sensei.
NÃO TENTAR EM CASA
Hélio
dá aulas há dois anos em Angola. Tenta trasmitir o jiu-jitsu de uma
maneira saudável, para que as pessoas não usem a arte apenas para “lutar
na rua”. “A técnica apurada do jiu-jitsu não exige força, como já
disse. Esta arte permite ao mais fraco vencer o mais forte. É a união da
perfeição e técnica externa, com o aperfeiçoamento do elemento
interno”, realçou.
O sensei compara o mau uso do jiu-jitsu às
descobertas de Einsten: “ele descobriu a energia atómica que, mais
tarde, culminaria na terrível bomba nuclear... mas, será ele o culpado?
Claro que não. Culpado foram os que não souberam direccionar tal
descoberta apenas para boas coisas. O jiu-jitsu pode construir mas
também destruir. Isso só depende do ensinamento que as pessoas recebem e
também da mentalidade de cada um”.
O jovem contou-nos que,
certa vez, fez um estrangulamento a um jovem, para defender-se, e a
pessoa ficou inconsciente por alguns minutos. “ É algo de que não me
orgulho, apesar de ter usado como auto-defesa, que é uma das funções do
jiu-jitsu. Evitamos ao máximo, mas às vezes é necessário defendermo-nos.
O estrangulamento é uma técnica complexa do jiu-jitsu que não deve ser
feita sem conhecimentos. Digo sempre aos meus alunos para não andarem
por aí a experimentar certas coisas em pessoas normais, que pouco ou
nada entendem da nossa arte. E como aqui nós trabalhamos o corpo e a
mente, não só formamos lutadores, mas sim atletas conscientes do seu
papel na sociedade”, frisou.
EM MARÇO, O CAMPEONATO
A
Roger Gracie Academy Jiu-jitsu Angola está presente em três academias de
Luanda: no Fitness, no Team Elite e no Complexo Emirais. Quando
questionado dos patrocínios o jovem afirmou: “As artes marciais estão a
crescer de maneira saudável em Angola. Neste momento tenho conhecimento
de quatro escolas de Jiu-jitsu no país que apesar de algumas
divergências, devem todas ser felicitadas pelo trabalho que têm feito,
pois têm contribuído para a valorização das artes marciais em Angola.
Alguns atletas foram ao campeonato que aconteceu na África do Sul e
trouxeram prémios para a nação. É preciso investir e patrocinar tais
talentos”.
No ano passado, a Roger Gracie Academy e a Academia
Gracie Barra levaram 10 atletas ao mundial de jiu-jitsu, nos Estados
Unidos. “Infelizmente não trouxemos títulos mas este ano, em Junho,
tencionamos voltar a participar com força total”, frisou Hélio.
Os
atletas estão a preparar-
se também para o campeonato nacional que
acontecerá em Março, a partir do dia 15, em Luanda. As quatro escolas da
capital irão participar no evento. Será uma grande oportunidade para
ver esta arte marcial ser praticada
com profissionalismo,
sempre
dentro dos princípios do jiu--jitsu.
O PROFISSIONAL E O AMADOR
Jandir
Bezerra (à esquerda) é natural do Recife, estado de Pernambuco, Brasil.
Sempre foi apaixonado pelo jiu-jitsu e como já treinava no Brasil,
quando chegou a Angola fez questão de procurar um sitio para continuar a
praticar. É faixa castanha numa modalidade que já lhe proporcionou
episódios engraçados: “uma vez, durante uma luta num campeonato, o outro
concorrente aproveitou-se do facto de eu usar aparelho dentário e roçou
o quimono dele, todo suado, na minha boca... eu tive que desistir pois
não aguentei aquilo (risos)”.
Todos conhecem Caló Pascoal (à
direita) como cantor e produtor musical e, para a nossa surpresa,
existem facetas desconhecidas deste artista que há anos nos tem
habituado com sucessos musicais. “Comecei a treinar há três semanas e me
tenho divertido bastante. Como já treinava kickboxing decidi também
aprimorar os meus conhecimentos com o jiu-jitsu. É uma arte muito boa,
que nos permite relaxar a mente e manter o corpo saudável. Os treinos
têm-me ajudado a conciliar as minhas outras actividades e podem crer que
o meu próximo disco terá uma séria influência dos ensinamentos do
jiu-jitsu. O Hélio é um bom professor e eu aconselho todos a treinarem”,
declarou.
A PRINCESA DO GRUPO
Dos 30 alunos duas são
meninas. Tivemos a oportunidade de conversar com Irina Mirandela, uma
jovem simpática, de rosto angelical e as unhas pintadas de vermelho, que
há quase um ano treina jiu-jítsu. “Comecei pelo karaté, vim aqui parar e
gosto muito do que faço. Quanto às lesões, são ossos do ofício. Para
alguns movimentos mais bruscos usamos a protecção necessária, caso da
placa dentária”, explicou a jovem.
O VIAJANTE DO Jiu-jitsu
Hélio
Jorge Paleje Jasse Pereira começou a treinar artes marciais com sete
anos. Já praticou karaté, judo, capoeira, aikidó, kick boxing e muai tai
e por fim o jiu-jitsu. É actualmente faixa preta na modalidade, “fui
graduado pelo campeão mundial de jiu-jitsu, Roger Gracie, ele faz parte
da família Gracie, uma das maiores percursoras do jiu-jitsu pelo mundo.
Tive a honra de treinar com ele durante 5 anos”, relembra emocionado.
O
jovem que faz do jiu-jitsu o seu modo de vida, já ganhou alguns títulos
pela modalidade: “Fui vice-campeão europeu, campeão europeu, vice
campeão pan americano, entre outros... enfim, tenho várias medalhas em
casa (risos)”.
A maior luta de Hélio é provar que o jiu-jitsu não
serve apenas para o desenvolvimento físico. “O jiu-jitsu vai além disso.
É a arte do toque, onde temos a oportunidade de mostrar às pessoas que
só têm a ganhar quando permitem que um corpo são esteja de acordo com a
mente, que também tem de ser sã. O jiu-jitsu é um mundo e permite-nos
ser muita coisa, permite-nos meditar... só depende de nós, da nossa
dedicação por um mundo melhor”, explicou.
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